
Como todo bom RPG que se preze, Dragon Age começa com uma tela para criação do seu personagem do zero. São poucas opções de classe, profissão e raça, mas ao menos o título faz um bom trabalho na tarefa de customizar visualmente o seu alter-ego. Por fim, são escolhidas as estatísticas, habilidades e proficiências iniciais. O jogador também seleciona qual das seis "histórias de origem" seu personagem viverá - ela moldará seu background antes que a quest principal se inicie. Todavia, a escolha é limitada pela raça previamente selecionada pelo jogador. Por exemplo, elfos possuem duas histórias de origem. Em uma delas, você é um dos danish, vivendo no meio da floresta, até que recebe a perigosa missão de recuperar um importante artefato da sua espécie. Em outra, você vive em um gueto miserável na gigantesca cidade de Denerim, e está prestes a se casar. Mas uma tragédia lhe aguarda. No meu caso, escolhi um caminho teoricamente mais fácil. Como meu personagem era humano - a espécie dominante em Dragon Age - pude optar por nascer em berço esplêndido. No caso, ser filho de um nobre, morando em um belo castelo, com todas as regalias, comendo do bom e do melhor, frequentando a ilha de Caras, etc, etc. Mas logo uma traição inesperada pega de surpresa a todos. Só restará a vingança - e nem mesmo essa é garantida.
Independente da história de origem escolhida, ao final você será recrutado por Duncan, um experiente grey warden. Os grey wardens são uma casta de guerreiros especializados em combater os darkspawn - os bad guys do universo de Dragon Age. Periodicamente ocorre uma grande invasão desses seres monstruosos, e apenas os grey wardens possuem os recursos para estancar a maré e colocar um fim a ela. As razões para isso serão descobertas ao longo do jogo - e nem todas serão agradáveis, pode acreditar. A história tem a sua cota de reviravoltas e momentos chocantes, mas são a riqueza de detalhes e os momentos críticos de decisão (deixados a cargo do jogador) que a tornam invulgar. Uma dessas decisões, por sinal, me chamou a atenção em particular. Seu personagem ver-se-á confrontado com ela pouco antes da batalha final, e ela poderá representar a sua salvação. Mas, como sabemos, não existe almoço grátis. É uma terrível escolha que certamente voltará para assombrá-lo em um futuro título da série. Pode apostar todos os seus sovereigns nisso.
Foram necessárias cerca de 90 horas para completar a quest principal e a maioria das missões secundárias. Uma duração surpreendente, já que é raro, hoje em dia, que jogos do gênero ultrapassem a faixa de 40 a 60 horas. Mesmo com todo esse tempo, ainda sobrou bastante conteúdo inédito para um eventual replay. Afinal, além das outras cinco origens, muitas das decisões que o jogador tomar durante a partida irão bloquear certos desenvolvimentos em função de outros. Sim, Dragon Age é um jogo de consequências e, por isso, torna-se impossível conhecer, de uma única tacada, tudo o que ele tem a oferecer.

Manter esses caras unidos não é tarefa simples, já que seus temperamentos, valores e objetivos são muito diferentes. Na verdade, é até divertido observar as frequentes discussões e alfinetadas entre eles. O problema é que controlar os ânimos nem sempre é fácil, já que uma decisão que deixaria alguém satisfeito pode ser inaceitável para outro. Para tentar manter a equipe coesa, é necessário conversar bastante com cada um (leia-se: puxar o saco), colaborar com suas missões individuais e... dar presentes. Sim, presentes! Há vários deles disponíveis no jogo, e eles são essenciais para conquistar a simpatia dos companheiros mais recalcitrantes. Mas nada de dar uma caneca de cerveja para aquela garota religiosa, ou um buquê de flores para o anão beberrão. Se tiver sucesso em conquistar a lealdade dos seus subordinados, eles receberão bônus crescentes em suas habilidades, e poderão até mesmo lhe retribuir a gentileza com outras recompensas.

O sistema de influência é usado também em outra característica bem típica dos jogos da Bioware: os romances. A produtora tem mostrado uma boa evolução nesse aspecto. Os diálogos já não soam mais sofríveis como algo saído da cabeça de George Lucas. Há um desenvolvimento mais adulto e natural e, como seria de se esperar, eventualmente os personagens acabarão na cama, para horror da Liga das Senhoras Católicas de Santana. Não que esse acontecimento vá chocar até mesmo o mais puritano dos jogadores, já que as cenas de sexo não diferem muito do que é visto rotineiramente na televisão (embora, claro, já existam mods para tornar a coisa toda um pouco mais explícita). Uma característica em especial, que matará de raiva o Senador Valdir Raupp, é que Dragon Age permite a ocorrência de relacionamentos homossexuais (masculinos ou femininos), sem nunca cair no estereótipo ou na afetação. Parabéns à Bioware pela ousadia. Isso mostra que os games, como mídia, podem ser uma força poderosa para a aceitação das diferenças e diminuição de preconceitos arraigados. Mas não deixe os religiosos saberem disso, ou logo o jogo será proibido por essas bandas, já que o lobby dessa turma é poderosíssimo, de fazer inveja a qualquer darkspawn. E não haverá grey warden que nos proteja.
Um ponto de destaque em Dragon Age é o seu altamente tático sistema de combate. Os veteranos de Baldur's Gate se sentirão em casa aqui; mas jogadores mais jovens, acostumados com sistemas de combate mais simplificados, poderão se sentir sobrecarregados com tantas opções e versatilidade. Aqui você controla por completo cada um dos quatro membros da equipe, e não apenas o personagem principal. Isso, somado às inúmeras opções de armamento, proteção, magia, poções e habilidades, pode tornar as batalhas bem complexas de se gerenciar. Tanto que o combate é difícil mesmo no nível normal. É possível automatizar uma série de ações, mas aqueles que preferem combate direto e sem maiores complicações provavelmente se sentirão frustrados aqui. Dragon Age não é Diablo, nem Oblivion, ou mesmo The Witcher. É necessário planejar suas táticas com antecedência e pausar o combate com frequência, para repensar sua estratégia e transmitir ordens precisas. Mesmo o posicionamento no campo de batalha é importante, e pode fazer toda a diferença entre uma vitória gloriosa ou uma humilhante derrota. Ataques frontais destrambelhados são punidos, via de regra, com uma morte rápida e dolorosa. Para quem gosta de um combate tático que privilegia a inteligência em detrimento de pontaria e reflexos, Dragon Age é o paraíso. Pena que algo assim tenha se tornado cada vez mais raro no dias atuais.


Apesar do combate ser um dos pontos altos do jogo, isso não quer dizer que ele seja sempre divertido. Muitas batalhas ocorrem contra inimigos genéricos, que aparecem com constância e em grande número. Nesses momentos, o combate torna-se um tanto enfadonho e repetitivo, na medida em que você é obrigado a enfrentar onda após onda dos mesmos inimigos pouco inspirados, até conseguir finalmente chegar ao que realmente interessa. Teria sido melhor um número menor de batalhas, mas com um grau maior de variedade e de desafio. Talvez vejamos isso no próximo título da série, de um modo semelhante ao que aconteceu com o segundo título da série Baldur's Gate.
Se há uma característica que realmente não gostei no jogo são os seus ambientes confinados. Não é nada no mesmo patamar da linearidade acéfala dos JRPGs, mas certamente carece muito da liberdade de exploração que esperamos de um bom CRPG. É claro que não estou pedindo que a Bioware se espelhe nos jogos da Bethesda (que segue uma escola bem diversa), mas seria muito bem-vindo um pouco mais de espaço por aqui. É frustrante entrar em uma cidade gigantesca como Denerim, e ser obrigado a ficar restrito a uns poucos edifícios e becos sem saída. Chega a ser claustrofóbico. Tal característica, combinada com gráficos pouco inspirados e texturas de baixa resolução, provoca pouco ou nenhum sentimento de maravilhamento - ou mesmo de apego ao universo do jogo, o que é uma pena. Quando eu me lembro do belíssimo universo de Oblivion, do prazer que tinha simplesmente em passear a esmo e admirar as belas paisagens que surgiam à minha frente, arriscando-me a topar com alguma surpresa ou mistério inesperado, não consigo deixar de sentir uma grande decepção pelas correntes curtas com que a Bioware atou os nossos pés. Sempre houve um certo confinamento nos jogos da desenvolvedora, mas nunca no mesmo grau que ocorre aqui.

Apesar dos seus problemas, que espero ver resolvidos (ou pelo menos melhorados) no próximo título, considero Dragon Age: Origins um jogaço, que certamente deixará satisfeitos os fãs dos velhos RPGs clássicos. É um título à altura da elevada expectativa gerada por qualquer produto que venha da Bioware, e que certamente reforçará ainda mais a sua mítica reputação. Torço apenas para que a série não degenere numa linha pura de ação, como infelizmente ocorreu com Mass Effect. Afinal, bons jogos de ação existem aos montes. Bons RPGs, não.